sábado, setembro 15, 2001

O mito do contra-terrorismo


"Os Estados Unidos gastaram bilhões de dólares em contra-terrorismo desde o bombardeio de suas embaixadas na Tanzânia e no Quênia, em agosto de 1998. Dez milhões foram gastos em operações secretas especificamente contra Osama bin Laden e sua organização terrorista, al-Qa'ida. Altos funcionário do governo audaciosamente anunciaram ? mesmo após o ataque suicida em outubro do ano passado contra o navio de guerra USS Cole, no porto de Aden ? que a CIA e o FBI estavam clandestinamente "despedaçando membro a membro" a organização de bin Laden. Mas, tendo trabalhado na CIA por quase nove anos em assuntos ligados ao Oriente Médio (deixei a Diretoria de Operações devido a frustrações com os muitos problemas da agência), afirmo que o programa americano de contra-terrorismo no Oriente Médio e arredores é um mito.

Peshawar, a capital da fronteira noroeste do Paquistão, está na periferia cultural do Oriente Médio. Fica na estrada principal, que surgiu a partir da lendária Passagem Khyber, a porta do Afeganistão. Foi em Peshawar que bin Laden entrou no jihad (guerra santa) muçulmano, quando, na metade dos anos 80, tornou-se financiador e estrategista do Maktab al-Khidamat, o Escritório de Serviços, uma organização que recrutava e dava apoio a voluntários muçulmanos, especialmente árabes, na guerra contra os soviéticos no Afeganistão. As amizades e contatos feitos no Escritório de Serviços foram o embrião da al-Qua'ida, o Pedestal, cuja meta explícita é travar uma jihad contra o Ocidente, especialmente os Estados Unidos.

De acordo com contatos no Afeganistão e funcionários do governo paquistanês, os homens de bin Laden freqüentemente vão a Peshawar para se comunicar via telefone, fax e modem com o resto do mundo. Membros das equipes que explodiram as embaixadas na África provavelmente planejavam fugir de volta para o Paquistão. Uma vez lá, certamente voltariam para os braços abertos de bin Laden por meio dos numerosos amigos da al-Qa'ida em Peshawar. Todas as tribos e regiões do Afeganistão estão representadas nesta cidade, dominada pelos Pathans, a proeminente tribo da fronteira noroeste e do sul do Afeganistão. Peshawar é ainda uma importante base do Talibã, os governantes fundamentalistas do Afeganistão. Conhecer as entradas e saídas da cidade seria indispensável para qualquer esforço americano para capturar ou matar bin Laden e seus auxiliares mais próximos. As informações da inteligência sobre al-Qa'ida não são muito úteis a menos que a rede de agentes abranja Peshawar.

Durante uma visita recente, ao pôr-do-sol, quando os becos apertados da cidade ficam completamente escuros a não ser pelo brilho ocasional de um letreiro de néon, caminhei pelos bairros afegãos. Mesmo na escuridão, tive a pior sensação que um agente pode ter ? olhos seguindo-me por toda parte. Para escapar das multidões, entrava em qualquer loja de tapetes, artigos de cobre e jóias ou cibercafés que pudesse encontrar. Estes eram espaços mal iluminados de uma ou duas salas, onde rapazes surfavam em sites de pornografia ocidentais. Não importa para onde fosse, a sensação não me abandonava. Não via como a CIA, da maneira que é hoje, poderia ter chances de levar a cabo uma operação bem sucedida de contra-terrorismo atacando bin Laden em Peshawar, a Dodge City da Ásia Central.

Ocidentais não podem visitar o lado muçulmano do mundo ? de onde vem a maioria dos soldados de bin Laden ? sem anunciar quem são. Nenhum agente baseado no Paquistão pode penetrar nas comunidades afegãs de Peshawar ou nas numerosas escolas religiosas da fronteira noroeste e esperar seriamente reunir informações úteis sobre terrorismo radical islâmico ? sem falar em recrutar agentes.

Mesmo um muçulmano agente da CIA com habilidades na língua nativa (e a agência, de acordo com funcionários da ativa, tem poucos agentes de origem islâmica) nesse ambiente poderia fazer pouco mais que um americano louro de olhos azuis. Agentes já não conseguem sair discretamente das embaixadas e consulados onde estão lotados. Um funcionário americano no exterior, fotografado e registrado pelas forças de segurança e inteligência locais, não consegue ir muito longe, especialmente em estados policialescos como o Paquistão, sem que o "outro lado" saiba. Um agente que tentar se passar por nativo, fingindo ser um radical muçulmano verdadeiramente fiel, buscando irmãos na causa, vai rapidamente fazer papel de bobo.

No Paquistão, onde a Agência de Inteligência e o Exército são competentes e rígidos, a CIA não pode fazer muita coisa caso tenha essas instituições contra si. E elas estão contra. No que se refere ao Talibã e a Osama bin Laden, Paquistão e Estados Unidos não são aliados. As relações entre os dois países têm sido ruins há anos devido à oposição americana ao bem sucedido programa paquistanês de armas nucleares e, mais recentemente, ao apoio de Islamabad ao separatistas muçulmanos na Caxemira. A presença de bin Laden no Afeganistão como um convidado do Talibã, por sua vez apoiado pelo Paquistão, injetou mais desconfiança na relação.

Em outras palavras, o sistema de inteligência americano não conseguiu e nem vai conseguir o apoio do Paquistão na perseguição a bin Laden. A única maneira eficiente desenvolver operações de contra-terrorismo contra radicais islâmicos em território mais ou menos hostil é com "agentes extra-oficiais disfarçados" ? indivíduos sem relação visível com o governo americano. Imagine James Bond sem os apetrechos, as mulheres, a pistola Walther PPK e o carro Aston Martin. Mas, pelo menos até o fim de 1999, não havia programas para introduzir "extra-oficiais" em organizações fundamentalistas islâmicas no exterior, de acordo com um desses agentes no Oriente Médio. "Os extra-oficiais não mudaram muito desde a Guerra Fria", disse-me ele recentemente. "Ainda somos um grupo de executivos de mentira que vivem em grandes casas no exterior. Não vamos rezar em mesquitas."

Um antigo agente da Divisão do Oriente Próximo disse que a CIA "provavelmente não tem um único agente qualificado que fale árabe e tenha ascendência islâmica para fingir ser um fundamentalista muçulmano plausível, disposto a ser voluntário para passar anos de sua vida comendo uma comida de merda e sem mulher nas montanhas do Afeganistão. Pelo amor de Deus, a maior parte dos agentes vive em subúrbios na Virgínia. Nós não fazemos esse tipo de coisa." Um agente jovem vai mais fundo: "Operações que envolvem diarréia como um modo de vida simplesmente não acontecem."

Operações de contra-terrorismo atrás das linhas inimigas são perigosas demais para que os agentes da CIA participem diretamente. Quando eu estava na Diretoria de Operações, a agência enviaria um pequeno exército de agentes para um encontro com um estrangeiro possivelmente perigoso se não fosse possível recebê-lo na segurança de uma embaixada ou consulado. Agentes ainda no serviço secreto dizem que a aversão a riscos e a natureza burocrática da agência ? que refletem, é claro, a crescente aversão da sociedade americana ao risco físico ? apenas pioraram.

A poucas milhas do bazar central de Peshawar, perto do antigo Quartel onde os soldados coloniais ingleses treinaram e onde hoje fica o consulado americano, está o Clube Americano, tradicional moradia para funcionários de agências de ajuda humanitária, diplomatas, jornalistas e outros esquisitos. Viajantes ocidentais esgotados freqüentemente param aqui vindos do Afeganistão para "fazer a descompressão"; pode-se comprar uma bebida, assistir a vídeos, pedir um filé. Os avisos de segurança da embaixada americana são afixados no mural do salão do clube.

Os boletins que vi em dezembro alertavam funcionários americanos e suas famílias para ficarem longe de multidões, mesquitas e qualquer lugar onde pudessem se reunir paquistaneses e afegãos devotos. A embaixada americana em Islamabad, uma fortaleza cercada por barricadas, soldados paquistaneses e muros com câmeras de vídeo e arame farpado, recomenda insistentemente que as pessoas sejam discretas ? essencialmente, que vivam dentro da área cercada e ocientalizada do Quartel ou outros pontos onde é pouco provável que diplomatas trombem com fundamentalistas.

Tais avisos refletem com precisão a mentalidade dentro do Departamento de Estado e CIA. Alguns agentes podem eventualmente dar umas escapadas, mas sua curiosidade não é encorajada ou premiada. A não ser que um dos soldados de bin Laden atravesse a porta de algum consulado ou embaixada norte-americana, as chances de algum especialista em contra-terrorismo da CIA conhecer algum é mínima.

A história de sucesso da Diretoria de Operações fez muito pouco para preparar a CIA para o confronto com o terrorismo radical islâmico. Talvez sua vitória mais memorável tenha sido contra os grupos palestinos nos anos 70 e 80. A CIA podia encontrar coisas em comum com os militantes palestinos, que bebem, envolvem-se com mulheres e gastam tempo em bons hotéis, em países agradáveis e confortáveis. Ainda assim, os agentes infiltrados na OLP ? história relatada de maneira gentil e agradável no livro "Agents of innocence", de David Ignatius (1987) ? eram essencialmente emissários de Yasser Arafat ao governo americano.

Mas diferenças entre fundamentalismo e coisas em comum a parte, a CIA tem teimosamente se recusado a desenvolver operações de especialização em um ou dois países. Durante a Guerra do Afeganistão (1979-89), a Diretoria nunca desenvolveu um time de especialistas a respeito do país. O primeiro caso de um agente com alguma fluência na língua afegã não aconteceu antes de 1987, um ano e meio antes de a guerra acabar. Robert Baer, um dos mais talentosos agentes no Oriente Médio nos últimos 20 anos (e o único nos anos 80 a colecionar com consistência documentos de inteligência de primeira linha a respeito do Hizbollah libanês e do Jihad Islâmico palestino), sugeriu a Washington no início dos anos 90 que a CIA poderia juntar material a respeito do Afeganistão através das repúblicas vizinhas na Ásia Central que fizeram parte da União Soviética.

A resposta: perigoso demais, e por que se preocupar com isso? A Guerra Fria ali havia terminado com a retirada soviética em 89. O Afeganistão era longe demais, a guerra ali era vista como endêmica, e islamismo radical era uma idéia abstrata. Desde então, o Afeganistão se transformou no centro principal de treinamento e inteligência do terrorismo do islã contra os Estados Unidos, e ainda assim o serviço clandestino da CIA mantém agentes responsáveis pelo país por não mais que dois ou três anos.

Até outubro de 1999, nenhum agente da CIA havia visitado Ahmad Shah Massud no Afeganistão. Massud (N do T: vítima de um atentado no dia 10 de setembro e cuja morte vem sendo seguidamente anunciada e desmentida) é o líder do noroeste do país e responsável pela única força que combate o Talibã. Ele foi o mais capaz entre os combatentes da guerrilha mujahideen de resistência aos soviéticos. Seu exército, hoje, entra em confrontos constantes com as tropas árabes (N do T: em sua maioria egípcios e sauditas) sob comando de bin Laden e, ainda assim, nenhum agente da CIA esteve com os soldados de Massud nas linhas de frente e jamais entrevistou paquistaneses, afegãos, turcomanos ou árabes que eles capturaram.

O Centro de Contra-terrorismo da CIA, que hoje tem centenas de empregados das diversas agências governamentais, foi criado por Duane "Dewey" Clarridge, um burocrata com energia extraordinária. Em menos de um ano, em meados da década de 80, Clarridge converteu uma operação de três homens confinados num quarto pequeno com uma tevê com CNN numa equipe que rivaliza o serviço clandestino da Divisão de Oriente Próximo pela primazia no trabalho anti-terrorista. Ainda assim, o Centro de Contra-terrorismo não alterou os métodos da CIA em terra estrangeira. "Nós de fato não pensávamos em detalhes das operações ? como poderíamos nos infiltrar neste ou naquele grupo", disse um agente sênior da equipe. "Vitória para a gente era que tínhamos impedido (Thomas) Twetten (chefe da Divisão de Oriente Próximo) de nos atropelar." Em meus anos na CIA, nunca ouvi na sede ou no exterior agentes discutirem o abc das operações de recrutamento contra um alvo no Oriente Médio que fosse além das relações diplomáticas ou salas de reunião. Operações de semeadura a longo prazo simplesmente não aconteciam.

George Tenet, que veio a ser diretor da CIA em 1997, repetidamente descreveu o programa norte-americano de contra-terrorismo como "robusto" e, na maioria dos casos, vitorioso na manutenção dos terroristas de bin Laden em desequilíbrio e ansiosos a respeito de sua própria segurança. Na administração Clinton, o diretor sênior de contra-terrorismo do Conselho Nacional de Segurança, Richard Clarke, que continuou como czar de contra-terrorismo na Administração Bush, tem certeza que bin Laden e seus homens mantém-se acordados de noite em seu acampamento no Afeganistão, "apavorados com quem será pego na próxima vez".

Se nós vamos derrotar Osama bin Laden, precisamos abertamente tomar o lado de Ahmad Shah Massud, que ainda tem uma boa chance de quebrar a coalizão tribal que sustenta o Talibã. Isso, com mais eficiência que qualquer programa de contra-terrorismo no Oriente Médio, pode eventualmente forçar os líderes do al-Qa'ida para fora do Afeganistão, onde a inteligência americana e aliada e suas forças armadas podem alcançá-los.

Até lá, não acredito que Osama bin Ladin e seus aliados venham a perder muito de seu sono."

Reuel Marc Gerecht

Reuel Marc Gerecht, é um ex-agente da CIA no Oriente Médio, que largou a agência por desânimo.

quinta-feira, setembro 13, 2001

O mundo está chocado. Depois de assistir a uma grande catástrofe ontem que resultou em dezenas de milhares de inocentes mortos.
Trata-se do atentado contra o World Trade Center. Um atentado contra a vida, a liberdade e a democracia.
Pessoas do mundo inteiro se sensibilizaram com as cenas chocantes e o sofrimento das pessoas que morreram lá. Pessoas que tiveram uma vida feliz, saudável, e cheia de oportunidades.
Realmente, as pessoas do mundo são muito solidárias, e isso pode ser comprovado vendo-se essa comoção geral.
Mas o engraçado é que ninguém se assusta com os países pobres. No mundo inteiro, todos os dias morrem milhares, talvez dezenas de milhares de pessoas de fome e doenças. Pessoas que nunca tiveram um dia tranquilo na vida. Pessoas para quem a vida foi a sobrevivência. Mas ninguém se incomoda.
Países que foram explorados pelos Estados Unidos hoje têm pessoas que morrem de fome, mas ninguém se incomoda. Na África morrem diariamente milhares de pessoas de Aids, enquanto os EUA não liberam os remédios, porque estão preocupados com o lucro dos Royalties.
E ninguém se importa. Mas o mundo inteiro sofre pelos americanos mortos.
Os EUA invadiram a Guatemala, financiaram os contra Nicaragüense, causaram o genocídio de 800.000 ruandeses em 1994, bombardearam o palácio la rosada no Chile, sustentaram a ditadura de Idi Amim Dada, sanguinário que comia literalmente seu próprio povo, treinaram os torturadores do mundo todo, inclusive os brasileiros, sacrificaram o povo iraquiano, destituíram governos matando a humanidade em nome da humanidade, bancaram e armaram Israel e subjugaram Palestinos.
Defenderam o Regime do Xá Reza Palevhi, no Irã, a ditadura Turca, invadiram a baía dos porcos, em Cuba, anexaram parte do México à força, jogaram as bombas em nagasaki e Hiroshima quando a guerra já havia acabado, apoiaram incondicionalmente o regime do apartheid na África do Sul, financiaram a UNITA em Angola, bombardearam junto com outros países a república espanhola, bancaram as ditaduras militares na América Latina, inclusive as do narcotraficante Hugo Banzer e Somoza, ocuparam o Vietnã, mataram seus próprios soldados, dividiram a Coréia do Norte e do Sul.
Mas ninguém se incomodou com as vítimas desses atentados cometidos pelos EUA. Muito mais do que dezenas de milhares. Talvez dezenas de milhões. Talvez mais. Mas ninguém se importou.
Está difícil emitir uma opinião neste momento, e da qual eu não possa me arrepender amanhã.
O momento é de apreensão, tanto pelo que aconteceu, quanto pelo que pode vir a acontecer, e acho que fazer qualquer tipo de previsão agora, é como dar tiros no escuro.
Torço apenas para que haja sensatez, e não apenas um desejo desenfreado de vingança.
O que já aconteceu, aconteceu, irremediável está. Mas o futuro ainda nos pertence, em parte...